Vida de Consultor

Quando virei aluno do curso técnico em eletrônica do Colégio Lavoisier minha mãe já não entendia muito bem o que eu fazia. Bastou eu comprar um ferro de solda e ela começou a dizer para toda a vizinhança, e às colegas da escola onde ela lecionava, que levassem para a nossa casa todo e qualquer tipo de eletrodoméstico que o filho dela iria consertar. Passada esta fase (ao menos parcialmente, de vez em quando ainda aterrisa um ferro elétrico por aqui), acabei conseguindo emprego em uma multinacional que ainda iria se estabelecer no Brasil. Graças a meus pais, comecei a estudar inglês ainda no ensino fundamental, mas isto é para um outro artigo. Neste emprego, eu só estudava e ganhava dinheiro. Tá certo que a empresa exigia muito estudo! Aprendi aí a minha segunda linguagem de programação: Assembler IBM/370. Isto em 1983.

Cabe dizer que eu era um guri esforçado. Nossa família era da então emergente classe-média "remediada". Tanto meu pai quanto minha mãe sempre trabalharam. Eu e meus irmãos aprendemos cedo a valorizar o trabalho e a independência financeira. O Colégio Lavoisier, na época do professor Aparecido e do seu Filisbino, dava bolsa de estudos integral ao melhor aluno de cada turma. Modéstia à parte, adivinhem se eu paguei alguma coisa para a escola depois do meu primeiro ano? Só que eu era tão guri novo que, além de CDF, eu queria mais era aprontar. Nunca vou me esquecer de uma partida na final do campeonato nacional em que o Grêmio venceu o São Paulo. O professor Aparecido (já Cidão para os do terceiro ano) era sãopaulino fanático. Fui ao colégio vestido com a camiseta do orgulho tricolor! O gaúcho, claro! O Cidão só falou: "pega este filho da..." Tentei defender minha mãe, mas lembrei dos liqüidificadores, batedeiras e, o pior, enceradeiras que as amigas traziam para que eu consertasse. Nem concluí o pensamento e já tava pendurado pelas pernas no segundo andar do colégio pelo Janjão e o Branca.

Mas voltando a 1983. Neste ano eu também entrei no curso de Física da USP, assim, eu tinha que estudar um monte pela empresa e mais um tanto igual ou maior para a faculdade (o que provou não ser suficiente, pois tomei bomba em Cálculo I). Pra mim era mais fácil ficar pela USP mesmo, já que eu morava em Guarulhos e a empresa em que eu trabalhava ficava bem no centro de São Paulo. Saía de casa umas seis e pouco da manhã, passava na empresa, reunia meu material de estudo e ia pra biblioteca do Instituto de Física. Até eu descobrir a piscina do CEPEUSP! Aí eu ficava estudando e tomando um sol por lá mesmo, relaxando de tempos em tempos com uma nadadinha. Imagina agora, então, eu conseguir explicar pra minha mãe o que eu fazia! Ganhando bem, bronzeado e sarado (uma forma que o tempo cruelmente destruiu)! Ela achava que eu era garoto de programa! Acho que foi neste momento em que eu virei consultor de tecnologia. A gente vira consultor quando não consegue mais explicar para a mãe o que faz.

Na época, o termo "consultor" andava em alta. O consultor era o médico que iria diagnosticar algum aspecto do funcionamento de uma empresa e prescrever a receita para a sua contínua melhoria neste aspecto. Mais adiante, provavelmente porque o mercado foi inundado por consultores, o termo tomou uma conotação até pejorativa: o consultor é aquele que nos cobra os olhos da cara para nos dizer o que já sabemos!

Mas é fato. Não há como esconder. O consultor faz isto mesmo! Sabe aquela história do motor do novíssimo carro produzido por uma marca famosíssima que, no dia do lançamento não queria dar a partida? Chamaram os mecânicos, os projetistas, enfim, todo mundo envolvido com a criação do automóvel e ninguém resolvia o problema. Por fim, acabaram por dar o braço a torcer e chamaram um antigo funcionário da fábrica, conhecido como "milagreiro". Um senhor já de cabelos brancos, franzino, entrou no saguão da festa de lançamento, minutos antes da possibilidade da montadora correr o risco de passar por uma grande vergonha. Pegou a chave, deu a partida no carro, ouviu atentamente os barulhos que o mesmo fazia, abriu o capô, tirou um martelinho de sua mala de ferramentas e deu uma rápida e forte martelada em algum lugar próximo ao motor de partida. Saiu do carro sem nem testar e disse para os organizadores do evento que podiam dar a partida no carro, que obviamente, funcionou. Quando perguntaram a este senhor o valor de seu serviço, ele respondeu: 45 mil dólares! A resposta foi "45 mil dólares por uma martelada???", ao que o "consultor" retrucou: "Não, a martelada é de graça! Saber onde dar a martelada é que custa 45 mil dólares!"

Já ouvi a história acima contada de muitas formas diferentes, mas o sentido é sempre o mesmo. No fim das contas, um consultor tem que buscar trazer para cada novo projeto a experiência acumulada de sua participação em projetos anteriores em toda a sua vida profissional. Tem que ter o dom de saber trazer para cada nova experiência o que é relevante das experiências anteriores. Acima de tudo, tem que "ouvir" muito bem os barulhos no novo ambiente onde se encontra, entender o que acontece, conhecer as pessoas. Mas o mais importante mesmo é manter a transparência, não esconder absolutamente nada de seus clientes, mostrar onde foi dada a "martelada" de 45 mil dólares. Sabe por quê? Porque uma vez dada a tal martelada, ela já não tem mais o mesmo valor. É necessário abrir o jogo para conhecer cada vez mais coisas, ganhar a confiança, o conhecimento e os elementos para ser chamado de novo, pelo mesmo ou por novos clientes, não para a mesma "martelada", mas para uma nova e inédita, que pode até valer mais do que 45 mil dólares...

Queria deixar, neste artigo, um abraço para o pessoal do Colégio Lavoisier e um beijão para a minha mãe!

Artigo produzido para o Dicas-L



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